domingo, 1 de abril de 2012

Lembrando da Praça do Rock No Parque da Aclimação- déc/ 80

Rock & Política: Capítulo II - Dalam, Jornal do Cambucí e a Praça do Rock

Dalam e o Jornal do Cambucí
Barbieri
na Praça do Rock
A Praça do Rock começou como fruto dos sonhos do Dalam Junior, um músico local. Dalam organizou com o apoio logístico do Jornal do Cambucí um encontro com um grupo de produtores  e representantes de bandas ligadas ao rock de São Paulo.
Como eu era um produtor bem em evidência naquele período, também fui convidado.  Acabei sendo o apresentador do evento.  A Praça do Rock acontecia durante a tarde no último domingo de cada mês, no palco da Concha Acústica próximo ao lago que existe dentro do Parque da Aclimação.
O Jornal do Cambucí fazia toda a parte burocrática junto da Secretaria Municipal de Cultura para conseguir as autorizações, o equipamento de som e a divulgação do evento na imprensa.
Gratuitamente, num lugar bonito, debaixo de tardes ensolaradas, o público jovem poderia presenciar várias bandas novas mostrando seus trabalhos. Nem preciso dizer que a Praça do Rock a cada domingo tornou-se mais e mais popular. Com o crescimento do evento e, bandas selecionando bandas, logo pequenos problemas apareceram. Por exemplo, contra a minha vontade, foi decidido que


bandas que cantassem em inglês não poderiam se apresentar.

Com uma afluência maior de público, os problemas de segurança surgiram. Não queríamos a polícia envolvida. Portanto, passei a usar o microfone para todo tipo de recado e conselhos básicos eram dados numa linguagem que a garotada entendia tipo, “se tiver que fazer a cabeça, já venha com a  cabeça feita, não fique dando bandeira”. Voluntários eram solicitados para ajudar na limpeza de garrafas vazias, coleta de lixo e segurança. Apesar da presença de milhares de pessoas, a paz reinava nos eventos.

A politicagem


O presidente da Associação do Bairro do Cambucí era partidário do antigo PDS que era o partido da direita. A Associação do Bairro do Cambucí nunca tinha oferecido nenhum obstáculo à Praça do Rock. O presidente desta associação morre e na luta da sucessão assumiu o representante do PMDB local. Cabe lembrar, que o PMDB tinha sido o “guarda-chuva” que abrigou no tempo da ditadura militar as esquerdas brasileiras. Todo o pessoal do PDS que fazia parte desta associação renunciou e aproveitando uma nova lei que permitia que fossem criados Associações de Usuários de Parques, formaram a Associação dos Usuários do Parque da Aclimação.  Este povo politiqueiro que provavelmente nunca tinham posto os pés no Parque imediatamente decidiram que a Praça do Rock tinha que acabar pois estava, entre outras coisas, destruindo o equilíbrio ecológico do parque. Tinham os motoqueiros destruindo a grama, os bêbados, os maconheiros e além do mais todo aquele barulho ia assustar os passarinhos e os coitadinhos não iam mais procriar!
Na verdade, o problema não era tão grave assim e facilmente solucionável. Além do mais, o sistema de som estava direcionado para o lago. Quanto aos passarinhos, se eles não gostassem de rock, tirando as 5 horas de shows  uma vez por mês, eles normalmente teriam muito tempo para trepar!
Há! Coitado dos peixinhos do lago!
Inesperadamente, com poucos dias de antecedência, já com toda a divulgação feita pela imprensa, ficamos sabendo que o DEPAVE Departamento de Parques e Áreas Verdes tinha vetado a Praça do Rock e a prefeitura tinha tirado o suporte.

A passeata
Numa reunião de emergência, decidimos que o ideal seria levar um sistema de som menor e tentar fazer os shows assim mesmo. Infelizmente, no dia do show, descobrimos que o administrador do parque à pedido da recém criada  Associação dos Usuários do Parque da Aclimação, tinha desligado as saídas de eletricidade do palco da Concha Acústica.

Barbieri convoca o público para assinar a petição
O público participando no palco doabaixo-assinado
Às pressas, trouxemos de uma casa próxima, uma mesa para o palco onde organizamos um abaixo-assinado para ser entregue na Prefeitura protestando e pedindo a volta da Praça do Rock.

Foi também decidido que faríamos uma passeata em volta do lago terminado novamente na Concha Acústica.
O público prepara-se para o início da passeata
Os jovens chegavam aos milhares por todos os lados e eu na base do grito,



sem um megafone, pedia para que as pessoas colocarem seus nomes no abaixo-assinado e ficassem para a passeata que aconteceria às 5 da tarde. Lá pelas 5 horas, coloquei  a faixa da Praça do Rock  que normalmente era usada no palco, na mão do povo e começamos a passeata. Conforme a passeata prosseguia, entrei no meio da multidão e comecei gritar:
“-A praça é nossa! A praça é nossa! A praça é nossa!”.  A multidão começou gritar junto. Depois de um tempo comecei gritar:
“-Roqueiro também merece respeito!”. A multidão acompanhou. Um garoto mais rebelde gritou:
“-Filha da puta! Filha da puta!”. Alguns presentes seguiram o coro por alguns 

A passeata acontesse...


segundos mas outros começaram a gritar:

“-Roqueiro unido jamais será vencido!”. O coro da multidão imediatamente tomou conta de tudo. Era um grito de ordem meio chavão mas o que interessava era que agora os manifestantes tinham descoberto o funcionamento da coisa e a passeata tinha ganho vida própria.
Eu passei a ser apenas mais um integrante. Foi muito emocionante ver o “Borg Coletivo” em ação. Ver aquela massa humana como um único organismo vivo.
O PCB entra em cena e ajuda
Com o Sol baixando no horizonte e a moçada se dispersando, na Concha Acústica, sentei-me na beira do palco. Estava emocionalmente esgotado, rouco, quase sem voz. Um grupo de pessoas aproximou-se. Era três homens, cabelos semi-longos, óculos de grau, dois barbudos.
“-Barbieri onde você aprendeu controlar a massa desse jeito?” Um deles perguntou.
Eu olhei para eles inquisitivamente enquanto o outro acrescentou:
“-Barbieri já faz um bom tempo que temos observado o seu trabalho.”

“-Quem são vocês?” Perguntei curioso.
“-Nós somos do PCB, Partido Comunista Brasileiro.” Um deles respondeu  e continuou:
“-Barbieri, você tem alguma experiência ou participação política?”.
Ricardo Zarattini

“-Bom, eu fui bancário e tive envolvido naquela greve que saiu o maior quebra-quebra no centro... Lembram? Usei as mesmas técnicas que vi nas passeatas dos bancários. Não sou filiado a nenhum partido político mas coincidentemente, nas últimas eleições, dei uma ajuda fazendo boca de urna para o Ricardo Zarattini, comunista,  que foi candidato à Deputado Estadual pelo PMDB.”  E acrescentei: “Infelizmente ele não ganhou!”
(Convém lembrar que, naquela época o PCB ainda era um partido ilegal).
“-Há! Não ganhou não mas você sabia que o Zarattini agora é um dos assessores do Prefeito de São Paulo! Você quer uma ajuda?” Disseram com um sorriso.
“-Claro que quero! Só que tem que ser discreta, não quero político no palco. A moçada do rock é apolítica e podem não receber bem a coisa.  Eu quero que a Praça do Rock seja uma vitória deles. O melhor jeito de ensinar participação política é através da prática. Eles tem que saber que se nós nos unimos, conseguimos as coisas.” Falei.

“-Claro Barbieri! Só queremos ajudar! “ Foi a resposta geral.
Não sei se foi verdade ou mentira mas, pelo que me disseram, na mesma noite caiu o diretor do DEPAVE.  A Praça do Rock voltou mais forte, com mais equipamento de Som (coitado dos passarinhos!) e nós fomos recebidos pelo diretor da Paulistur que era o órgão responsável pela área de turismo da capital.
No primeiro show da volta, vindo da platéia, veio aquele sentimento de vitória, confiança e amizade. Era como se eu estivesse sendo energizado e tivesse ficado mais poderoso. Era como se de agora em diante tudo fosse possível. Evidentemente eu deixei claro para a platéia que a vitória era deles. Na verdade era mesmo!
Para minha surpresa, meu sucesso foi recebido com muita desconfiança pelo Jornal do Cambucí e também alguns representantes das bandas.  Agiam como se eu tivesse uma segunda intenção guardada em algum lugar secreto.
A Paulistur pisa na bola
Nesta reunião nos escritórios da Paulistur fomos perguntados se existia algum outro lugar que nós quisessemos promover shows. Imediatamente sugeri a Praça da Sé, um lugar que eu sonhava em ver um concerto de rock à muito tempo. O diretor da Paulistur aceitou e naquele mesmo momento marcamos a data do evento.
Com a divulgação feita, no dia do show, na Praça da Sé, cadê o palco, cadê  o equipamento de som. Aparentemente, na noite anterior toda a aparelhagem da Prefeitura tinha sido desviada para a festa carnavalesca para a coroação do Rei Momo. Sem um aviso prévio a Paulistur já de início mostrava total desrespeito para com o pessoal do Rock. Vendo aquela massa humana muito maior do que a que compareceu no Parque da Aclimação, revoltado, organizei outra passeata. Desta vez, paramos o centro da cidade, bloqueamos a Rua Direita, Viaduto do Chá e terminamos na frente do Teatro Municipal. A Rede Globo apareceu e o protesto foi transmitido na TV obrigando o diretor da Paulistur a fazer uma apologia pública na emissora.
Enquanto isto, minhas relações com os organizadores da Praça do Rock se deteriorava. O Jornal do Cambucí era filiado ao PT que seguia a linha do Trotsky e, naquela época o PT não fazia associação com ninguém. Não existia meio termo. Para o PT  se acabar com a pobreza significasse apertar a mão de alguém do PCB que seguia a linha do Marx e do Lennin então, podem ficar certos de que o povo morreria de fome.
Enquanto isto a Paulistur  que era um cabide de empregos composto de macacos velhos e raposas políticas já estava movendo os seus pauzinhos nos bastidores.
Para que colocar estas bandas de rock barulhentas e desconhecidas quando poderiam se coligar com as gravadoras multinacionais  e colocar seus medalhões pop povão para tocar e vender discos. Certamente tinha muito dinheiro para ser feito com alianças de patrocínio. O negócio era cortar de vez o pessoal do Cambucí roubando o nome “Praça do Rock” e levando o evento lá, bem distante,  para o Parque do Carmo.
A saída do Barbieri e o fim da Praça do Rock
O Jornal do Cambucí e a os organizadores da Praça do Rock estavam mais preocupados comigo. Muito embora eu nunca tenha citado o nome de nenhum partido político no palco, numa reunião feita sem a minha presença foi decidido que eu estava proibido de falar de improviso e só poderia ler textos por eles aprovados.
Entre os presentes nesta reunião, segundo fui informado,  estava o guitarrista Hélcio Aguirra que era na época membro da banda Harppia e que logo sairia para formar a banda Golpe de Estado. Alias, não foi nenhuma surpresa porque, para mim, Golpe de Estado sempre foi coisa da direita.
Por falar em Hélcio, alguns meses mais tarde quando era candidato pelo PCB.  No cartaz do show do Projeto São Power no qual se apresentava o Golpe de Estado, debaixo do meu nome como produtor do evento mencionei bem pequeno; Vote Celso Barbieri para Deputado Estadual PCB. Então, recebi uma ligação do Hélcio que ligava para cancelar o show e dizer, nas suas palavras, que “não tocava em show de comunista”. Eu disse que, a publicidade já estava feita mas que não seria problema arrumar outra banda para o show. Disse também que subiria no palco e diria a verdade. Que o Golpe de Estado não tinha vindo porque não tocava em show de comunista. Depois do que disse o Hélcio concordou em tocar e no meio do show ficou insistindo para a platéia que eles não tinham nada à ver com política. Curiosamente bandas tão importantes da época como o Viper e o Korzus nunca tiveram este problema. Mais tarde, 13 bandas se ofereceriam  para tocar no meu comício de despedida na Praça da Sé.
Obviamente, não pude aceitar a pressão e censura feita pelos organizadores da Praça do Rock e, demiti-me. Como esperado a Praça do Rock, agora comandada pela Paulistur mudou-se para o Parque do Carmo e as bandas de rock pesado na sua grande maioria foram excluídas. Só algumas bandas antigas tipo Made in Brazil tiveram chance.
Infelizmente, o sonho do Dalam acabou aí.
por A. C. Barbieri 

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